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terça-feira, novembro 30, 2004

crise 

Quaiquer que sejam as razões, os governos não podem cair desta maneira. Nenhum dos últimos três chegou ao fim do mandato. Este não durou cinco meses. Pode-se considerar que era um caso especial, com problemas de origem, a que se foram somando outros ao longo do tempo. Mas Sampaio legitimou-o e, para todos os efeitos, valia tanto como um governo que saísse de eleições. Não estou a defender Santana Lopes, nem o seu gabinete. O que me preocupa, realmente, é que nenhum governo consiga aguentar-se por mais de dois anos. Já não estamos na I República. O descontentamento face aos governantes é normal. Não deve ser causa suficiente para isto. Ouço as palavras de Manuel Monteiro, «a democracia está em crise». Fico com medo quando me dá para concordar com este senhor.

segunda-feira, novembro 29, 2004

oliveira 

Ontem, num programa de televisão, entrevistavam Manoel de Oliveira. O homem não é deste tempo. A sua sabedoria é antiga. As suas palavras simples. Nascido e criado no Porto, oriundo de boas famílias, recebeu uma educação esmerada, cultivou espírito e corpo. Cedo mergulhou na mitologia do Douro, nas histórias das suas gentes. Foi galã no cinema dos anos 30, entrou nas primeiras corridas de automóvel que se fizeram em Portugal, fez parte da intelectualidade nortenha. Vem de um mundo que se extingue, que não há-de voltar, e é dos poucos que ainda se lembra (e nos lembra) dele. A cidade da sua infância desaparece, os valores que são os seus, já são de muito poucos. A nossa época é de plástico, não tem defeitos à superfície, tem bom aspecto, mas sabe mal (tal como a fruta que vamos comendo, nestes dias). Oliveira já não lhe pertence.

quinta-feira, novembro 25, 2004

prisão 

"I've changed my plea to guilty
Because freedom is wasted on me"

I've Changed my Plea to Guilty, Morrissey

Às vezes, a nossa prisão é o que não temos.

terça-feira, novembro 23, 2004

traduções 

Quando lemos um romance traduzido, temos diante dos nossos olhos uma versão do original. Por muito boa que seja a tradução, é sempre outra coisa. Ao tradutor cabe dar-nos, intacto, o espírito da obra. Contudo, o prazer da leitura deve muito à forma, ao estilo - é aí que se descobre a mão do escritor. Ora, o estilo é intraduzível, pertence ao seu autor, como pertence à língua em que o mesmo escreve. O Sol Nasce Sempre de Jorge de Sena não é o mesmo que The Sun Also Rises de Ernest Hemingway.

domingo, novembro 21, 2004

imagine 


Imagine there's no heaven,
It's easy if you try,
No hell below us,
Above us only sky,
Imagine all the people
living for today...

Imagine there's no countries,
It isn't hard to do,
Nothing to kill or die for,
No religion too,
Imagine all the people
living life in peace...

Imagine no possesions,
I wonder if you can,
No need for greed or hunger,
A brotherhood of man,
Imagine all the people
Sharing all the world...

You may say I'm a dreamer,
but I'm not the only one,
I hope some day you'll join us,
And the world will live as one.

Imagine de John Lennon foi votada como uma das três melhores canções de sempre, num inquérito feito a artistas pela revista Rolling Stone. Alguém ouviu a merda da letra?- foi o que me ocorreu ao ler esta notícia no Público de hoje. Se o mundo se tornasse nalguma coisa parecida ao sonho de Lennon, não teria pejo em pôr fim à minha vida. Um mundo sem céus, nem infernos. Sem passados, nem futuros. Sem nada por que morrer. Sem a centelha que faz de nós Homens. Sem Deus. Sem Amor. Sem Desejo. Onde tudo e todos são a mesma coisa. Esse mundo não é para mim, definitivamente.

domingo, novembro 14, 2004

chinatown 



- As little as possible

quarta-feira, novembro 10, 2004

pranto 


1.
Täglich geh' ich heraus, und such' ein anderes immer,
Habe längst sie befragt alle die Pfade des Lands;
Droben die kühlenden Höhn, die Schatten alle besuch' ich
Und die Quellen; hinauf irret der Geist und hinab,
Ruh' erbittend; so flieht das getroffene Wild in die Wälder,
Wo es um Mittag sonst sicher im Dunkel geruht;
Aber nimmer erquickt sein grünes Lager das Herz ihm,
Jammernd und schlummerlos treibt es der Stachel umher.
Nicht die Wärme des Lichts und nicht die Kühle der Nacht hilft,
Und in Wogen des Stroms taucht es die Wunden umsonst.
Und wie ihm vergebens die Erd' ihr fröhliches Heilkraut
Reicht, und das gärende Blut keiner der Zephire stillt,
So, ihr Lieben! auch mir, so will es scheinen, und niemand
Kann von der Stirne mir nehmen den traurigen Traum?


Esta é a primeira das nove partes que compõem a elegia Menons Klagen um Diotima de Friedrich Hölderlin. Fica sem tradução. Indecifrável para quem não sabe alemão. Não será difícil ouvir o lamento do poeta louco, mas ninguém o entenderá. Faz sentido que seja assim.

sábado, novembro 06, 2004

amália 

Foi por vontade de Deus
que eu vivo nesta ansiedade.
Que todos os ais são meus,
Que é toda a minha saudade.
Foi por vontade de Deus.

Que estranha forma de vida
tem este meu coração:
vive de forma perdida;
Quem lhe daria o condão?
Que estranha forma de vida.

Coração independente,
coração que não comando:
vive perdido entre a gente,
teimosamente sangrando,
coração independente.

Eu não te acompanho mais:
pára, deixa de bater.
Se não sabes onde vais,
porque teimas em correr,
eu não te acompanho mais.

Estranha Forma de Vida, Amália Rodrigues



A letra deste fado foi escrita pela própria Amália. Só esse facto serviria para mostrar que quando ela disse que não era poeta, mentia. E também é suficiente para que quando digo que sou primo distante dela (muito distante mesmo - nunca a conheci), o faça com toda a vaidade.

quarta-feira, novembro 03, 2004

post político 

A mais que provável vitória de George W. Bush nas eleições presidenciais americanas não me aquece nem me arrefece. Mais, não me faz confusão nenhuma que o republicano tenha ganho. O que há quatro/cinco anos significaria uma desgraça, é aceite por mim agora quase com gosto. Se não morro de amores por Bush, a verdade é que concordo com ele naquilo que enoja (parece-me a palavra certa) a maioria das pessoas (amigos e familiares meus incluídos) - a sua política externa. A vitória de John Kerry não traria muitas mudanças (poucas das que a esquerda europeia tanto sonha), contudo poderia ser prejudicial para a consecussão da dita política externa americana. Mesmo assim o pequeno "prazer" que sinto com estes resultados deve-se mais ao meu espírito de contradição que a um prazer verdadeiro.

As pessoas que me conhecem há uns anos devem estranhar que eu, que me dizia de esquerda e que já votei, e disso me arrependo, no Bloco de Esquerda, tenha dado esta volta. Contudo dou razão aqueles que dizem que quanto mais se sabe e mais se vive mais para o centro político se caminha. O 11 de Setembro e o modo como a maior parte da esquerda europeia leu e continua a ler essa data foram talvez os principais catalizadores para este desvio. Depois fui-me dando conta dos vários preconceitos (que eu partilhava) com que os europeus vêem a América, com que as pessoas de esquerda vêem a direita e não gostei. Daí nasceu o meu espírito de contradição. Contradição ao que tantos, às vezes quase mecanicamente e muitas vezes erradamente, pensam.

Este post não diz nada de especial. Não é particularmente inteligente, nem original. Neste blog quase nunca escrevi sobre política. Não é coisa que reja a minha vida, e houve casos em que me coibi de escrever sobre o assunto para não me incompatibilizar com a maior parte das pessoas que gosto e que são meus amigos e com outros que nem sequer conheço mas que adivinho terem opiniões completamente diferentes das minhas. Mas hoje apeteceu-me escrever sobre isto e aqui fica.

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