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domingo, agosto 31, 2003

poemas anónimos 

dois poemas de autor desconhecido

John Wayne
Alma procurada
reencontrou-se no Oeste.
Aí­ ele andava
E oh como ele andava
num corredor de um hotel
perseguido por anjos
Ele defendeu o Mal.

John Wayne
à  luz da minha vida
na tela era tão real
procurando o bem
através da escuridão
ele foi amado e amou
e depois assim ficou

Ai como eu gostava de
andar como o John Wayne.

John Wayne andou.

John Wayne

Stromboli
Deus achou-me

sábado, agosto 30, 2003

this is our music 

melt away fourth of july listen, the snow is falling sorry way up high spook summertime king of spain, part two hearing voices - here she comes now

quarta-feira, agosto 27, 2003

poema alheio 

aqui vai um poema de Mário de Sá-Carneiro

Aquele Outro
O dúbio mascarado - o mentiroso
Afinal, que passou na vida incógnito.
O Rei-lua postiço, o falso atónito -
Bem no fundo, o cobarde rigoroso.

Em vez de Pajem, o bobo presunçoso.
Sua Alma de neve, asco de um vómito -
Seu ânimo, cantado como indómito,
Um lacaio invertido e pressuroso.

O sem nervos nem Ânsia - o papa-açorda,
(Seu coração talvez movido a corda...)
Apesar de seus berros ao Ideal.

O raimoso, o corrido, o desleal -
O balofo arrotando Império astral:
O mago sem condão - o Esfinge gorda...

Paris fevereiro 1916

terça-feira, agosto 26, 2003

i trawl the megahertz 

É possível ouvir o álbum I Trawl The Megahertz, de Paddy McAloon, integralmente, no site oficial dos Prefab Sprout. O álbum teve uma boa crí­tica de João Lisboa no Expresso de 15 de Agosto, que aqui se transcreve:

"Para quem, publicando álbuns quase bissextamente, confessa ter cinco ou seis óperas e mais uma dúzia de musicais na gaveta, I Trawl the Megahertz não pode ser uma surpresa. E sendo o seu autor o ex-Prefab Sprout que um dia me confessou que «detestaria que me vissem como um tipo antiquado. Na verdade acho-me extremamente moderno. Simplesmente, não tenho o menor apreço pelo rumo que o mundo moderno seguiu», a surpresa ainda deveria ser menor. Mesmo assim, não é todos os dias que se depara com um gigantesco «tone-poem» orquestral deste calibre, elaborado em torno de uma recolha de textos retirados de «chat-shows» e programas radiofónicos «de microfone aberto», dieta compulsiva de McAloon durante um período de cegueira temporária provocada por um deslocamento da retina. Narrados friamente por Yvonne Connors, os texto, excelentes, giram com deliberado distanciamento em torno de todos os «mal de vivre» existenciais («repeat after me, happiness is only a habit») e alguma amável interrogação filosófica e deixam-se conduzir pelos sofisticados encadeamentos harmónicos dos arranjos de David McGuiness interpretados pelo ensemble Mr McFall's Chamber, numa espécie de Laurie Anderson-meets-Ravel na mansarda de Debussy sob o olhar circunspecto de Zappa, Bernstein e Francis Lai. Há a oceânica faixa-título (vinte e tal minutos) e mais outras oito que prolongam e desdobram este delicadamente bizarro sinfonismo de câmara em todas as tonalidades. Dizer «genialmente fora de época» será uma redundância?"

Não sei se Paddy McAloon é um exactamente um ex-Prefab Sprout, parece-me mais que ele é os Prefab Sprout, principalmente nos últimos anos. Diz-se que um novo álbum sob a designação Prefab Sprout irá aparecer por aí. Para mais informações sobre este songwriter (e parece que não só, dadas as suas "óperas" e suas sinfonias como esta) brilhante e a sua banda aconselha-se a consulta de um site não oficial (bem melhor que o oficial) mantido pelo americano Bedford McIntosh.

A confissão que João Lisboa diz lhe ter sido feita por Paddy McAloon faz parte de uma entrevista ao músico, que entre outras, a outros artistas, aparece no livro Provas De Contacto, do mesmo João Lisboa, editado pela Assírio e Alvim.

O álbum I Trawl The Megahertz penso que esteja disponível em Portugal. De qualquer maneira, foi editado em Junho.

verdade tropical 

Apesar de ter sido lançado há alguns anos, só li o livro Verdade Tropical de Caetano Veloso agora, há pouco tempo. Tal como o álbum lançado na altura, corria o ano de 1997, chamado Livro é de aquisição e uso obrigatórios. Se o álbum é dos melhores que alguém lançou nos últimos dez anos, o livro é magnífico. É daqueles livros difíceis de pousar. De tal maneira que não apetece deixá-lo para fazer outra coisa qualquer. Talvez só para escutar o Livro.

sexta-feira, agosto 22, 2003

da lata 

Da lata pode dizer-se muita coisa. Com lata pode dizer-se muita coisa. Coisas. Coisas que às vezes apetece dizer e não dizemos. Por pudor ou timidez. Por isso devíamos dar graças à lata, quando ela nos faz uma visita, e principalmente se não for frequente. Quantas vidas ficaram por viver? Tantas. E por falta de lata. Podem-se se dar todas as razões para uma vida mal vivida, desde o azar a um qualquer mal de vivre inexplicável. Mas quantas vezes não se vive só por falta de lata. Por isso quem tiver lata que a use em abundância. Viva a lata.

quinta-feira, agosto 21, 2003

irène jacob 

Saída do filme amarelo passou por um vermelho e despediu-se noutro, vestida de azul. Foi para freira.

Esses filmes, que muito prezo, foram A Dupla Vida De Véronique/ Le Double Vie de Véronique (1991), Vermelho/ Rouge (1994), ambos de Krzysztof Kieslowski, e Para Além das Nuvens/ Par Delà des Nuages (1995), co-realizado por Michaelangelo Antonioni e Wim Wenders. Vejam-nos.
Fez mais filmes, mas estes são os que vi e de que gosto. Muito. Dos filmes e dela. Anda desaparecida e é pena. Parece que a viram numa dessas superproduções hollywoodescas. Eu desconfio.

Chama-se Irène Jacob e é francesa, nasceu em Paris a 15 de Julho de 1966, embora tenha crescido na Suíça. É bonita, talvez a mais bonita rapariga do Mundo. Tirando-se o “talvez” a frase fica mais verdadeira.

No primeiro filme, que atrás referi, ela vive duas vidas, o que é bom, não sendo mau, a primeira para aprender e a segunda para viver. E de uma forma bem bonita. Encontra um homem que a procurava e é feliz para sempre. O que é que se pode pedir mais? Pouca coisa. Mas ela isso vai ter. Porque tudo é pouco para ela. É a beleza desse filme e do outro. O seguinte. Nesse, ela salva um homem (é salva) que já tinha passado e é agora presente. No último, porém, parece que nos morre nas mãos, que nos foge. É nesse que vai para freira. E é tão triste. Talvez fosse isso que aconteceria nos outros filmes não fosse a salvação que lhe proporcionaram e que proporcionou. Esse Amor De Salvação. Também existe. Mas nada disto aconteceu e casou-se com Deus. Também é bonito.

A beleza parece ser mesmo a palavra de ordem. Dela e dos seus filmes. Também do polaco, esse maravilhoso cineasta, que pouco após de Vermelho, morreu. Maravilhoso e criador de maravilhas. Suspeito que foi ele que a criou. E terá mesmo sido. Na amarelidão de Cracóvia para as ruas de Paris e de Aix-en-Provence, aqui já no filme do alemão e do italiano. Dizem que mais do alemão. Aliás nunca vi outro filme de Wim Wenders que gostasse tanto. Só talvez Paris, Texas, mas esse ... esse tem a Nastassja Kinski. Outra.

É assim que cidades, ruas, belezas se confundem. Com o cinema. E ainda bem.
2000

sexta-feira, agosto 08, 2003

a partilha do apocalipse 

Um maço de Marlboro em cima da mesa. Em cima da mesa um cinzeiro, um isqueiro, um livro de Pierre Ménard e o comando da televisão. Sentado no sofá olhava a televisão. E lia o jornal do dia. Eram cinco da tarde do dia vinte e dois de Novembro de mil novecentos e noventa e sete. Este dia nunca existiu assim. Nem isto aconteceu em nenhum dia. O Rio Bravo, o filme do Howard Hawks, passava às sete. Esperava-se por esse momento para ver o andar do John Wayne. Chovia lá fora e isso tornava tudo tão mais confortável. Um velho escritor argentino falava na televisão. Como falava em castelhano não deu para perceber muito bem o que dizia. Uma saída para beber café é sempre a melhor coisa a fazer nestas alturas. E assim se fez. Leva-se o chapéu de chuva e saboreia-se o conforto que se deixa, para o reencontrar não muito depois. Há coisas que não cansam. E o dia passa. À noite, uma pessoa deita-se e sonha que os aviões caem nos prédios. O vento sopra forte e fustiga os estores das janelas. O luar não existe, escondido atrás das nuvens. Em Portugal não se faz nada, essa é que é essa.
setembro 2002

este texto apareceu pela primeira vez no primeiro número d’a glande

submerso 

A caneta com que escrevo já tem pouca tinta. É azul. A kind of blue. Miles Davis. Há sempre uma certa melancolia, mas não faz mal quando é a certa. Espera-se. Por um certo milagre. Numa certa melancolia (azul?) procura-se sempre um qualquer milagre. Um gesto. Um pensamento. Uma sensação de justeza. Justeza no som (e na fúria? – a fúria não faz parte destes momentos, antecede-os simplesmente). Lembramos Faulkner. Não gostei do romance – demasiado elaborado – mas gostei de Candy. Mas quem é que não gosta de doces? Não é o sonho de qualquer um ser uma criança numa loja de doces? Ou de brinquedos? Ainda gosto de brinquedos, mas já não sou uma criança. Mas pode-se tentar. Procurar num incerto azul. O azul do Céu ou do mar. Ondas. Senão sairmos das ondas, somos feitos por elas. Não adianta lutar. SUBMERSO
fevereiro 2003

a cassete 

Hoje em dia já nada nos detém do precipício. Sempre à beira dele. Então, porque é que não caímos nele?

Se só temos a esperar a decepção, a desilusão, porque é que continuamos? Já nada nos serve de consolo. Nem a hipótese extrema de desistir. Essa será sempre a última ilusão a cair. O nosso canto do cisne. Ou a única maneira de nos aproximar desse belo animal. Vivemos desapossados do génio que nos viu nascer. Indiferentes. Se esperamos, esperamos o quê? Não podemos contar com nada de bom. E não contamos.

O espelho partiu-se e a poeira entrou nos olhos. Onde é que está a Beleza? Ela existe. Resiste. Aonde, senão a vemos? Mas quem a reconheceria? Seja quem for merece salvação eterna. E a terá.

Tudo isto para dizer o quê? Quem souber que grite bem alto o nome daquilo que mais ama. Só nos resta amar. Amar o quê? A Beleza. E gritar bem alto o nome dela.

Aonde se escondem as lágrimas de Deus? Aqui não. Nunca aqui.

Eu gostava de ir a Nova Iorque e viver lá. E amar aquela cidade. O último bastião.

Se gravamos uma cassete com as nossas canções preferidas, criamos um mundo. É bom saber apreciar certas coisas. E gostar delas. Devemos homenagear tudo o que gostamos e, mais raramente, amamos. Agarrarmo-nos com todos os dentes para não deixar fugir. Nem tudo é igual, nem relativo. Devemos defender apaixonadamente todas essas coisas que nos são importantes, vitais e, ainda mais, as que não nos servem para nada. Para que é que nos havemos de servir das coisas que amamos? Deixá-las estar sossegadas. Imutáveis. Talvez espreitar às vezes para ver se estão bem. Protegê-las. E gravá-las sempre. Para as ter do nosso lado. Nunca esquecer. Esse é o maior pecado. E o mais imperdoável.

Se hoje estivesse um dia lindo, eu ia passear. Sempre à beira do precipício. Com ele as coisas que nos são queridas, são-no ainda mais. Amemo-lo também.
outubro 2002

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