Estou a deixar crescer a barba em preparação para o concerto de Bonnie 'Prince' Billy. E a perder cabelo também. Quando me empenho numa coisa, é a sério.
Uma alteração à minha compilação, saem os Silver Jews, entram os American Music Club, e logo como a canção final, devastadora, um punho de negrume que absorve todas a tentativas de fuga, I'm on my way, cantado pela voz mais doce do mundo.
estas imagens não deviam vir acompanhadas de qualquer texto, bastam-se bem a si mesmas, ainda assim, cá vai. dean stockwell, um dos grandes actores americanos, o al do quantum leap e rapaz de cabelo verde há muitos muitos anos atrás, protagoniza esta cena, se bem que no resto da história tenha pouca ou nenhuma importância, e só por ela merece uma entrada em todos os livros de cinema e que tais, dean stockwell canta em playback uma canção, in dreams do roy orbison, qualquer coisa sobre o joão-pestana e falar e andar contigo em sonhos, lá atrás brad dourif dança como eu tenho ideia que o gerard malanga dançava nos concertos dos velvet underground, jack nance, outrora protagonista do eraserhead, agora de chapéu, tenta meter medo ao kyle maclachlan, o outro eu do david lynch, mais cá para a frente. ainda há as senhoras gordas à retaguarda, o dennis hopper, ao lado do dean stockwell a murmurar a letra da canção, e a isabella rossellini, que entra a meio. a isabella rossellini, que por essa altura começou a andar com o david lynch, tempos atrás tinha andando com o martin scorsese, que ainda mais para trás tinha andando com a filha do vincente minnelli e da judy garland, imagino que num caso agudo de cinefilia, que com a rossellini seria secundário.
Nunca fui muito bom a fazer compilações. Apesar de já ter tentado algumas vezes, nunca me saíram bem, nunca saíram como eu queria. Mesmo que escolha bem as canções, depois não sei arrumá-las como deve ser; se as compilações devem respeitar uma narrativa, as minhas são mais para o godardianas - passe o namedroping desnecessário -, têm princípio, meio e fim, mas não exactamente por essa ordem, o que lhes retira a força devida. As compilações, dizem os entendidos, devem começar com uma canção forte, crescerem a partir daí, a meio devem ter uma quebra, para depois pegarem outra vez o ritmo até ao final apoteótico. Esta que eu fiz até não começa mal, um clássico dos Guided by Voices dá lugar a uma canção entre a pop e o hip-hop do genial Apolecia dos Why?, para ir desaguar no hip-hop excelso dos Clipse e no grime de Dizzee Rascal co-adjuvado pelo falecido Pimp C e por Bun B, ou seja, os UGK, nova guinada e vamos dar ao pós-punk zangado dos Les Savy Fav, grande canção e uma das razões para fazer esta pequena colecção, mas de seguida as Sleater-Kinney anunciam o que está para vir: a depressão, que atinge o seu pináculo nos seis minutos e meio dos Spiritualized, depois de passar pelo Richard Swift, que já não vai muito contente, Will Oldham, a sua barba e a sua careca, mascarados de Bonnie "Prince" Billy não salvam a coisa com sonos amaldiçoados, que parece no entanto levantar um bocadinho com a longa narrativa de David Berman, o seu Jack of Hearts para o século XXI, e o shoegaze esquizofrénico dos Rollerskate Skinny, mas pouco, muito pouco, finalmente vendo que não há volta a dar a isto, ficamo-nos com uns Portishead, podia ser pior.
Há gente que não consegue fugir ao/do seu mundo, como os habitantes de Arene no Texas, no princípio dos anos 50, embalados pelo som das canções do Hank Williams a desprenderem-se de todos os rádios da pequena cidade.
Os Modest Mouse, na sua fase mais agreste, ainda mal saídos da adolescência, embora não soubessem fazer álbuns, demasiado longos, cheios de excrescências, fizeram grandes canções. Numa delas Isaac Brock encarna um cowboy bêbado e abusador, Dan, em luta contra os avanços da vida. E o último avanço da vida é a morte. O revoltado cowboy Dan pega numa espingarda, aponta-a para o céu e dispara. "Se eu tenho de morrer, tu também tens de morrer", diz a Deus.
Vou retractar-me (com o novo acordo ortográfico, agora teria de fazer um desenho da minha pessoa, e eu não tenho muito jeito para isso): os dois primeiros álbuns dos Portishead não são maus, eu é que enjoei deles (isto parece-me uma expressão brasileira, mas vai bem com a temática parentética anterior, e o português do Brasil não deixa de ser bonito), principalmente do Dummy. Quando digo que não passaram o exame do tempo, tem mais a ver com o meu gosto - aí já passaram há muito o prazo de validade - do que com qualquer julgamento objectivo da sua validade estética.
Ao princípio, pensava que era o vento do Fellini, um vento irreal, fantástico, que se ouvia em todos os seus filmes, todos os que eu conheço, mas não, ele ouve-se em todo o cinema italiano, no mais antigo e creio que mesmo no mais recente, e em mais lado nenhum.
Para terminar com o assunto Portishead aqui no blog, falo do concerto de ontem no Coliseu de Lisboa. Arranjei o bilhete à última hora, porque quando soube do concerto não quis saber, não pensei sequer em ir. Não estava para ouvir aquelas canções todas que já me disseram muito e hoje só me provocam irritação e pouco mais. Só quando ouvi o novo álbum é que me arrependi, e muito. Mas tive razão nas duas ocasiões, quando me desinteressei e quando me arrependi. No concerto, as canções do último álbum foram estupendas, algumas aquém, outras além do que vai sair em disco, as outras, com as devidas excepções - as interpretações mais distantes dos originais -, deixaram-me indiferente, até na Roads, que já foi uma das minhas canções preferidas, dei por mim a olhar para o tecto (o tecto do Coliseu até é engraçado, ou não, e quem é que eram aqueles gajos no camarote presidencial?). O singalong histérico não ajuda, ter uma gaja a desafinar perto de mim também não, as letras, infantilóides, pioram a coisa. Third é um monumento, belíssimo, que aguentará a passagem do tempo, os dois primeiros álbuns não passaram esse teste. Se tiver de ouvir umas centenas de pessoas a cantar em uníssono (não é bem uníssono) a Glory Box outra vez, dou um tiro na cabeça. Aquela merda já deve estar numa compilação qualquer do estilo "Love in the 90's". Era matar aquela gente toda com uma Machine Gun.